Segunda Sinistra
O retorno do reprimido
Entrei no metrô de pé esquerdo. O vagão quase vazio em manhã de segunda-feira. Sentei naquele banco reservado (mas apenas preferencialmente) para idosos, grávidas, cegos, o que seja. Enterrei o nariz no livro da vez. O suor da caminhada evaporava naquela circulação do ar condicionado. Não havia ninguém sentado ao meu lado.
No meio da segunda frase começo a ouvir a voz esganiçada e caudalosa da menina sentada à minha frente, relatando os causos do fim de semana para quem estivesse à sua volta:
-- So he’s like...
-- And I’m like...
-- And she’s like...
Tudo com aquela intonação ascendente ao final de cada frase, como se cada momento fosse sempre uma interrogação, mesmo que de questionamento não contivesse nada. Apenas o relato da abelha-rainha diante de seus três súditos.
** ** **
Deve ter sido uma tremenda estória. Porque quando levantei de novo o nariz do livro para ver a origem daquela voz que me torturava há quatro estações, vi apenas uma menina meio pós-adola gesticulante (e um pouco acima do peso), um ruivinho muderno ao lado do banco dela, e duas jóvens de nula característica embevecidas com a narrativa no banco perpendicular.
** ** **
Foi quando me feriu, e não sem certo remorso obtuso (sorry, Murilo Mendes), certa recordação de sexta-feira passada pelo diálogo que entretive com a Macacona Loura (aquela, inconfundível, no meio da foto de dois posts atrás) ao lado da fonte na Sculpture Garden na noite de jazz.
Ela (e mais a magricela de blusa verde) vieram sentar ao lado da gente.
Assim que acendi o terceiro cigarro da noite, e antes de um minuto completo de ignição, ouço sua presença invadindo minha fronteira:
--Could you move your cigarette somewhere else.
Olhei pra ela: uma expressão de desagrado petulante encrespado por irritação territorial, ou respiratória. (Dela, não minha.)
E eu, like:
-- I will if you ask me politely.
E ela:
-- I thought I had.
And I’m like:
-- No. You did not.
Pois ela havia “pedido” com o rosto tão cheio de desgosto, com um certo tom de voz tão carregado de rancor de “sanctimonious entitlement” frustrado – uma categoria subjetiva-política tão ontologicamente absurda que só pode existir mesmo em Washington – que eu acabei, like, levantando assim mesmo e falando pro meu amigo venezuelano que, like, what the fuck?
** ** **
E de vingança, resolvi postar a foto dela: a Macacona Loura, entre duas gazelas, há dois posts atrás.
**
Exato, boa leitora: é aquela mesmo.
**
**
Nota da Redação: graças à intervenção sensata do meu fiel leitor Emerson, pude reparar a calúnia antes que o tempo com ela fizesse seus estragos. Onde se lê agora "Macacona Loura" antes se lia "Vaca Holandêsa." Emerson teve a fineza de apontar, com sua elegância discreta e justa, a injustiça preconceituosa que eu cometia contra a imagem, a essência e a vivência das nossas amigas bovinas, nobres e serenas.
Já as macacas? Quero mais que se fodam.
O retorno do reprimido
Entrei no metrô de pé esquerdo. O vagão quase vazio em manhã de segunda-feira. Sentei naquele banco reservado (mas apenas preferencialmente) para idosos, grávidas, cegos, o que seja. Enterrei o nariz no livro da vez. O suor da caminhada evaporava naquela circulação do ar condicionado. Não havia ninguém sentado ao meu lado.
No meio da segunda frase começo a ouvir a voz esganiçada e caudalosa da menina sentada à minha frente, relatando os causos do fim de semana para quem estivesse à sua volta:
-- So he’s like...
-- And I’m like...
-- And she’s like...
Tudo com aquela intonação ascendente ao final de cada frase, como se cada momento fosse sempre uma interrogação, mesmo que de questionamento não contivesse nada. Apenas o relato da abelha-rainha diante de seus três súditos.
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Deve ter sido uma tremenda estória. Porque quando levantei de novo o nariz do livro para ver a origem daquela voz que me torturava há quatro estações, vi apenas uma menina meio pós-adola gesticulante (e um pouco acima do peso), um ruivinho muderno ao lado do banco dela, e duas jóvens de nula característica embevecidas com a narrativa no banco perpendicular.
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Foi quando me feriu, e não sem certo remorso obtuso (sorry, Murilo Mendes), certa recordação de sexta-feira passada pelo diálogo que entretive com a Macacona Loura (aquela, inconfundível, no meio da foto de dois posts atrás) ao lado da fonte na Sculpture Garden na noite de jazz.
Ela (e mais a magricela de blusa verde) vieram sentar ao lado da gente.
Assim que acendi o terceiro cigarro da noite, e antes de um minuto completo de ignição, ouço sua presença invadindo minha fronteira:
--Could you move your cigarette somewhere else.
Olhei pra ela: uma expressão de desagrado petulante encrespado por irritação territorial, ou respiratória. (Dela, não minha.)
E eu, like:
-- I will if you ask me politely.
E ela:
-- I thought I had.
And I’m like:
-- No. You did not.
Pois ela havia “pedido” com o rosto tão cheio de desgosto, com um certo tom de voz tão carregado de rancor de “sanctimonious entitlement” frustrado – uma categoria subjetiva-política tão ontologicamente absurda que só pode existir mesmo em Washington – que eu acabei, like, levantando assim mesmo e falando pro meu amigo venezuelano que, like, what the fuck?
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E de vingança, resolvi postar a foto dela: a Macacona Loura, entre duas gazelas, há dois posts atrás.
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Exato, boa leitora: é aquela mesmo.
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Nota da Redação: graças à intervenção sensata do meu fiel leitor Emerson, pude reparar a calúnia antes que o tempo com ela fizesse seus estragos. Onde se lê agora "Macacona Loura" antes se lia "Vaca Holandêsa." Emerson teve a fineza de apontar, com sua elegância discreta e justa, a injustiça preconceituosa que eu cometia contra a imagem, a essência e a vivência das nossas amigas bovinas, nobres e serenas.
Já as macacas? Quero mais que se fodam.
4 Comments:
Tá certo que as minhas vacas são Jersey, mas assim mesmo as holandesas vacas que conheço são doces e tranquilas, como toda vaca leiteira que se preza.
Acho que o companheiro fez uma alusão indevida e indelicada às vacas - e não somente as holandesas. Lamento informar que suas palavras serão alvo de moção de repúdio a ser votada em próxima assembléia vacum.
:o)
By Emerson, at 22/8/06 22:36
A bem da verdade, minhas Jersey dão de dez em qualquer holandesa no quesito elegância.
ehehehehehehehe
By Emerson, at 22/8/06 22:37
Emerson. Você tem toda a razão. As vaquinhas (todas elas) são pessoas de respeito. São pacientes, doces, descomplicadas, sem rabugentice, e fazem do mundo um mundo melhor.
Vou chamar ela de macaca mesmo.
(Algum lobby símio aqui em pról de espécies primatas extra-humanas?)
By cjb, at 22/8/06 22:43
Pronto, Emerson. Acho que consertei. Live and Learn.
By cjb, at 22/8/06 22:57
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